segunda-feira, 21 de março de 2016

OS LIMITES DAS ATRIBUIÇÕES DAS SECRETARIAS DE SEGURANÇA PÚBLICA

Na semana que passou ocorreu um fato importante, muito embora não tenha sido explorado com o destaque merecido pela mídia, pelas autoridades e pela sociedade em geral, porém de grande importância.
Refiro-me a hostilização (expulsão) do Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo dos manifestos pró-impeachment que ocorria na importante avenida Paulista, localizada na Capital daquele gigantesco Estado da Federação.
Na ocasião o Secretário foi, segundo a imprensa, expulso do local e xingado com veemência pelos manifestantes que lá se encontravam, obrigando que a mesma autoridade deixasse às pressas a avenida, escoltado pela sua segurança pessoal. (veja manchete: SECRETÁRIO DA SEGURANÇA PÚBLICA DE SP É EXPULSO DE PROTESTO NA PAULISTA http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/03/secretario-alexandre-de-moraes-e-expulso-de-protesto-na-paulista.html )
Segundo noticiado pela própria secretaria e pela mídia, o Secretário foi pessoalmente ao local para “desbloquear a avenida” não sendo, porém obedecido e ao contrário foi de lá expulso.
Oportuno mencionar que as Secretarias de Segurança Pública dos Estados, ou o nome que esses órgãos levem em alguns Estados, não possuem nenhuma função executiva, pois elas são articuladores políticos e implementam as políticas de segurança pública dos respectivos governos que representam, e mais, seus titulares (secretários) atuam como políticos e não como policiais, bem por isso não possuem investidura policial nem mesmo temporária.
Como todos sabem a Constituição Federal, lei maior do País, não prevê no Capítulo da Segurança Pública artigo 144 caput, esses órgãos e sim somente prevê as polícias para a execução da segurança pública.
No caso em questão, o que lá estava ocorrendo, na avenida Paulista em SP, era uma manifestação pública e portanto uma questão de ordem pública, e quem possui a missão constitucional no território nacional de PRESERVAR A ORDEM PÚBLICA como POLÍCIA OSTENSIVA é a Polícia Militar através de seus integrantes investidos de autoridade, observada a respectiva cadeia de comando interna existente.
E mais, em muitos Estados as Secretarias de Segurança Pública (ou o nome que ostente) se arvoram a diretamente, além de querer executar ações de segurança pública – ordem pública, querer também atuar como polícia administrativa especial, algo que não detém, autorizando e determinando locais para a realização de manifestações. Isso é missão da Polícia Militar que possui, segundo a farta doutrina existente, esse poder de polícia administrativa especial.
Sobre isso, inclusive podemos mencionar o Parecer da AGU de 2001 nº GM-25, aprovado pelo Presidente da República em 10.8.2001 e publicado no Diário Oficial de 13.8.2001, o qual nesta condição vincula as ações da administração pública até que dispositivo lega seja aprovado e diz: “A polícia ostensiva (Polícia Militar), afirmei, é uma expressão  nova, não só no texto constitucional como na nomenclatura da  especialidade. Foi adotada por dois motivos: o primeiro, já aludido, de  estabelecer a exclusividade constitucional e, o segundo, para  marcar a expansão da competência policial dos policiais militares,  além do "policiamento" ostensivo. Para bem entender esse segundo aspecto, é mister ter presente  que o policiamento é apenas uma fase da atividade de  polícia. A atuação do Estado, no exercício de seu poder de  polícia, se desenvolve em quatro fases: a ordem de polícia, o  consentimento de polícia, a fiscalização de polícia e a  sanção de polícia. A ordem de polícia se contém num preceitoque, necessariamente, nasce da lei, pois se trata de uma reserva  legal (art. 5º, II), e pode ser enriquecido  discricionariamente, consoante as circunstâncias, pela Administração. ...   O consentimento de polícia, quando couber, será a  anuência, vinculada ou discricionária, do Estado com a atividade submetida ao  preceito vedativo relativo, sempre que satisfeitos os condicionamentos  exigidos. ... A fiscalização de polícia é uma forma ordinária e  inafastável de atuação administrativa, através da qual se verifica o cumprimento  da ordem de polícia ou a regularidade da atividade já consentida  por uma licença ou uma autorização. A fiscalização pode ser ex officio ou  provocada. No caso específico da atuação da polícia de preservação da  ordem pública, é que toma o nome de policiamento. Finalmente, a sanção de polícia é a atuação  administrativa auto-executória que se destina à repressão da infração. No  caso da infração à ordem pública, a atividade  administrativa, auto-executória, no exercício do poder de polícia, se esgota  no constrangimento pessoal, direto e imediato, na justa  medida para restabelecê-la.
Não resta dúvida que no caso em estudo, a atuação é uma missão da Polícia Militar e não da Secretaria de Segurança Pública, muito menos do Secretário individualmente.
Também é oportuno e necessário mencionar, para que o Estado não invoque lei Estadual existente à respeito, que é competência privativa da União legislar sobre a organização das Policiais Militares dos Estados-membros, pois assim se expressa o art. 22, XXI, da Constituição Federal:
Art. 22 – Compete privativamente à União Legislar sobre:
..................................................................................................
XXI – normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares.
Uma análise superficial do texto poderia conduzir a errônea exegese de que quem em razão dele não estaria descartada a possibilidade de os Estados-membros legislarem sobre a estrutura e competência da Polícia Militar, repassando suas missões às Secretarias de Segurança Pública e/ou aos seus Secretários.
Como já foi salientado, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 22, parágrafo único, apenas prevê que Lei Complementar outorgue aos Estados-membros competência para legislar sobre questões específicas acerca das matérias relacionadas nesse artigo.
Entre essas matérias encontra-se elencada a que é objeto da presente análise, qual seja, normas gerais de organização.
Importante observar que, a atual Carta Máxima não atribui competência imediata aos Estados-membros para legislarem a respeito de organização.
Atinge-se essa conclusão a partir de uma simples leitura do parágrafo único, do art. 22, da Constituição da República, de clareza singular:
[...]
Parágrafo Único - Lei Complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.
[...]
Os Estados não podem nem mesmo legislar sobre a matéria, pois é necessário que Lei Complementar (da União) os autorize a fazê-lo. Depois, é necessário que essa Lei Complementar defina as questões específicas sobre as quais os Estados podem legislar, isso por si só, seria suficiente para demonstrar a manifesta inconstitucionalidade referentes à atuação e a organização da Polícia Militar.
Ainda temos o que o Supremo Tribunal Federal deixou expresso que a Lei que das Polícias Militares dos Estados e considerada como se federal fosse. Assim, esse entendimento levou a pensar que a lei local, se houver, em razão da natureza da matéria, estaria obrigatoriamente submetida à observância da lei federal.
[...]
Colhe-se do voto do Ministro Cordeiro Guerra:
(...) quando a lei estadual faz a recepção de um texto normativo federal ela estatiza a legislação; mas quando a legislação estadual está submetida obrigatoriamente, pela natureza da matéria, à lei federal, não há apenas uma questão estadual, porque a lei estadual não poderia dispor de modo diferente do Estatuto das Polícias Militares ou do Regimento Disciplinar do Exército. Então acho que é uma questão federal, porque não é uma matéria de legislação estadual, em que ela incorporasse, eventual e facultativamente a legislação federal. É uma matéria na qual a legislação estadual não tem competência para dispor. (RTJ 86/893).
Salientou com acurada precisão o Ministro Osvaldo Figueiredo:
(...) as Polícias Militares têm status constitucional, são forças armadas auxiliares, como reserva do Exército Nacional, e seu regime jurídico é definido pela legislação federal. (RDA100/108).
A atual Constituição, após sucessivas reformas, reforçou o entendimento até aqui dissertado, pois manteve o status constitucional de muitos dos aspectos que integram a instituição militar estadual, mais especificamente quando às normas de organização dessas, que devem seguir a partir da Lei Federal, que hoje se consubstancia no Decreto-Lei 667/69 e seu regulamento, o Decreto Federal 88.777/83 (R-200).
Referidas legislações federais, em que pese serem anteriores a Constituição Federal de 1988, têm tido a manifestação da União por sua recepção, consoante ao já mencionado Parecer GM – 25, da Advocacia-Geral da União, e ainda Decreto Federal 3.897/2001.
Importante, no entanto, mencionar que tal já não ocorre com a Polícia Civil, em que a Constituição federal outorga ao Estado legislar concorrentemente com a União sobre organização, garantias, direitos e deveres, nos termos do art. 24, XVI.
O tratamento jurídico diferenciado atribuído à Polícia Militar deve-se a sua responsabilidade maior como último recurso do Estado-membro na preservação da ordem pública.
Assim deve ser levado em consideração o disposto no Art. 4º do Decreto-Lei 667/69 sobre a vinculação, orientação, planejamento e controle operacional e não subordinação total aos Órgãos de Segurança Pública dos Estados, os quais nem se quer são mencionados no texto da Constituição Federal no que se refere a Segurança Pública:
[...]
Art. 4º - As Polícias Militares, integradas nas atividades de segurança pública dos Estados e Territórios e do Distrito Federal, para fins de emprego nas ações de manutenção da Ordem Pública, ficam sujeitas à vinculação, orientação, planejamento e controle operacional do órgão responsável pela Segurança Pública, sem prejuízo da subordinação administrativa ao respectivo Governador
[...].
 Também art. 45, caput, do Decreto 88.777/83, segundo a qual “a competência das Polícias Militares estabelecida no Decreto-lei nº 667, de 02 de julho de 1969, na redação modificada pelo Decreto-lei nº 2.010, de 12 de janeiro de 1983, e na forma deste Regulamento, é intransferível, não podendo ser delegada ou objeto de acordo ou convênio”:
[...]
Art . 45 - A competência das Polícias Militares estabelecida no artigo 3º, alíneas ac do Decreto-lei nº 667, de 02 de julho de 1969, na redação modificada pelo Decreto-lei nº 2.010, de 12 de janeiro de 1983, e na forma deste Regulamento, é intransferível, não podendo ser delegada ou objeto de acordo ou convênio. (grifado)
[...]
Como visto o Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo no episódio narrado, acabou extrapolando sua competência como secretário e não é legítimo querer assumir uma missão que pertence, segundo a Constituição Federal e a Lei, à Polícia Militar.
Fica o alerta para que as autoridades de segurança pública observem a lei e deixem para os profissionais legalmente investidos de autoridade para conduzir ações de EXECUÇÃO de segurança pública, e se atenham a atuação política quanto à vinculação, orientação, planejamento e controle operacional.
Agindo assim os secretários de segurança pública dos Estados e do Distrito Federal cumprirão seu papel político e evitarão situações embaraçosas como ocorreu em São Paulo recentemente, e por certo ocorre rotineiramente em todo o território nacional.

MARLON JORGE TEZA