É fácil a constatação
que o Brasil está assolado por atos de quebra da ordem pública, especialmente
aqueles relacionados às infrações penais, cabendo incialmente à polícia
preventiva evitar que esses atos ocorram. A escalada da violência fica evidente
quando se observa dados estatísticos, seja de qual for o local do País
Atualmente,
também, o dito “combate ao crime” tem levado as instituições policiais a
desencadearem medidas cada vez mais e mais repressivas, seguindo de certa forma,
na contramão daquilo que seguiram outras nações que enfrentaram e enfrentam o
mesmo problema. Até mesmo a polícia
ostensiva, no Brasil a Polícia Militar, que deveria ser muito mais preventiva
do que repressiva, acabou por dirigir quase a totalidade de suas ações à repressão.
Assim, é urgente
que sejam adotadas, gradativamente é verdade, posturas diferenciadas daquelas
que atualmente as polícias militares adotam ordinariamente visando dar ênfase
ao exercício da polícia administrativa que lhe compete, ou seja, evidenciar a
prevenção. Se isso não ocorrer continua-se a realizar “mais do mesmo” e assim não
há que esperar resultados diferentes daqueles obtidos na atualidade.
Contudo, além da
mudança das ações por parte da Polícia Ostensiva há necessidade da
regulamentação legal destas ações da Policia Militar no exercício da sua
competência constitucional, primando pela prevenção, incluindo as infrações
administrativas que invariavelmente levam à prática do delito e outras
desordens, muito embora isso, por si só não impeça a ação da Polícia Militar,
no entanto, as deixam limitadas.
Se observarmos
os diários da Assembleia Nacional Constituinte (CF 1988), fica evidente que o
constituinte originário quis que a Polícia Militar (polícia ostensiva e polícia
de preservação da ordem pública) fosse primordialmente preventiva visando a
evitar violação da ordem pública.
Quis o
constituinte que as ações dessa instituição (a Polícia Militar) fossem evidenciadas
pela prevenção, ocorre que a legislação federal (e até as estaduais) ainda não
ofereceu ferramentas para que tudo isso fosse transformado em ações preventivas
por parte da polícia ostensiva que é, repito, primordialmente administrativa.
A prevenção,
justamente por falta dessa legislação, é realizada quase que somente pela
presença do policial fardado ou então pelas ditas operações (que já são
repressivas) e vai muito pouco, além disso. Querer que a dissuasão da desordem
ocorra somente com a presença policial é imaginar que o Policial Militar seja
um mero “espantalho” e como a instituição Polícia Militar não é onipotente, e jamais o será, isso é pura utopia.
Esse tipo de atuação
no passado até trouxe algum resultado, no entanto, com o passar do tempo, os
resultados não foram significativos havendo como consequência uma escalada de
ações de quebra da ordem, em especial, as infrações penais que, como já
mencionado, assolam toda a sociedade de bem.
No mesmo sentido o Parecer denominado GM-25 do então
Advogado Geral da União e hoje Ministro do STF Gilmar Ferreira Mendes, aprovado
que foi pelo Presidente da República em 10.8.2001 e Publicado no Diário Oficial
de 13.8.2001, portanto vinculando toda a administração pública federal ao mesmo:
Para esclarecer a respeito
da validade normativa de um parecer, é de ser mencionado abaixo o conteúdo
disponível na página da internet da Advocacia-Geral da União a respeito:
“O parecer do Advogado-Geral
da União, quando aprovado pelo Presidente da República e publicado juntamente
com o despacho presidencial, adquire caráter normativo e vincula todos os
órgãos e entidades da Administração Federal, que ficam obrigados a lhe dar fiel
cumprimento. O parecer não publicado no Diário Oficial da União obriga apenas
as repartições interessadas e os órgãos jurídicos da AGU ou a esta vinculados,
a partir do momento em que dele tenham ciência”.
Extrato do conteúdo
do mencionado parecer GM-25 que esclarece o tema em questão:
“A polícia ostensiva, afirmei, é uma
expressão nova, não só no texto constitucional como na nomenclatura da
especialidade. Foi adotada por dois motivos: o primeiro, já aludido, de
estabelecer a exclusividade constitucional e, o segundo, para marcar a expansão
da competência policial dos policiais militares, além do -policiamento-
ostensivo.
Para bem entender esse segundo aspecto,
é mister ter presente que o policiamento é apenas uma fase da atividade de
polícia.
A atuação do Estado, no exercício de seu
poder de polícia, se desenvolve em quatro fases: a ordem de polícia, o
consentimento de polícia, a fiscalização de polícia e a sanção de polícia.
A ordem de polícia se contém num preceito, que, necessariamente, nasce da lei, pois se trata de uma reserva legal (art. 5º, II), e pode ser enriquecido discricionariamente, consoante as circunstâncias, pela Administração.
A ordem de polícia se contém num preceito, que, necessariamente, nasce da lei, pois se trata de uma reserva legal (art. 5º, II), e pode ser enriquecido discricionariamente, consoante as circunstâncias, pela Administração.
O consentimento de polícia, quando
couber, será a anuência, vinculada ou discricionária, do Estado com a atividade
submetida ao preceito vedativo relativo, sempre que satisfeitos os condicionamentos
exigidos.
A fiscalização de polícia é uma forma
ordinária e inafastável de atuação administrativa, através da qual se verifica
o cumprimento da ordem de polícia ou a regularidade da atividade já consentida
por uma licença ou uma autorização. A fiscalização pode ser ex officio ou
provocada. No caso específico da atuação da polícia de preservação da ordem
pública, é que toma o nome de policiamento.
Finalmente, a sanção de polícia é a
atuação administrativa auto-executória que se destina à repressão da infração.
No caso da infração à ordem pública, a atividade administrativa,
auto-executória, no exercício do poder de polícia, se esgota no constrangimento
pessoal, direto e imediato, na justa medida para restabelecê-la.
Como se observa, o policiamento
corresponde apenas à atividade de fiscalização; por esse motivo, a expressão
utilizada, polícia ostensiva, expande a atuação das Polícias Militares à
integralidade das fases do exercício do poder de polícia.
O adjetivo -ostensivo- refere-se à ação
pública da dissuasão, característica do policial fardado e armado, reforçada
pelo aparato militar utilizado, que evoca o poder de uma corporação
eficientemente unificada pela hierarquia e disciplina.
A competência de polícia ostensiva das
Polícias Militares só admite exceções constitucionais expressas: as referentes
às polícias rodoviária e ferroviária federais (art. 144, §§ 2º e 3º), que estão
autorizadas ao exercício do patrulhamento ostensivo, respectivamente, das
rodovias e das ferrovias federais. Por patrulhamento ostensivo não se deve
entender, conseqüência do exposto, qualquer atividade além da fiscalização de
polícia: patrulhamento é sinônimo de policiamento.
A outra exceção está implícita na
atividade-fim de defesa civil dos Corpos de Bombeiros Militares. O art. 144, §
5º, se refere, indefinidamente, a atribuições legais, porém esses cometimentos,
por imperativo de boa exegese, quando se trata de atividade de polícia de
segurança pública, estão circunscritos e limitados às atividades-meio de
preservação e de restabelecimento da ordem pública, indispensáveis à realização
de sua atividade-fim, que é a defesa civil. O limite, portanto, é casuístico,
variável, conforme exista ou não a possibilidade de assumir, a Polícia Militar,
a sua própria atividade-fim em cada caso considerado.- (In Revista de
Informação Legislativa nº 109, 1 991, págs. 137 a 148. Grifos do original;
acresceram-se sublinhas.)
[...]
De outro lado, e ainda no exemplo, às
Polícias Militares, instituídas para o exercício da polícia ostensiva e
preservação da ordem pública (art. 144, § 5º), compete todo o universo
policial, que não seja atribuição constitucional prevista para os demais seis
órgãos elencados no art. 144 da Constituição da República de 1 988.”
Tal
extrato do parecer não deixa dúvida da competência da Polícia Militar na
polícia administrativa, pois esmiuçou detidamente o que prevê a Constituição
Federal no seu Art. 144 §5º, a saber:
Art. 144. A segurança
pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para
a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio,
através dos seguintes órgãos:
[...]
§ 5º Às polícias
militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos
corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a
execução de atividades de defesa civil.
Muito
embora haja o parecer GM-25 aliado ao entendimento de vários doutrinadores e
dos próprios constituintes de 1988 de que cabe a Polícia Militar a polícia
administrativa em todas as suas fases, passando pela ordem de polícia, o
consentimento, a fiscalização de polícia e a sanção de polícia, seria de
extrema importância que o legislativo nacional e os estaduais aprovassem dispositivos
legais regulando com maiores detalhes tal atuação evitando dúbias interpretações
e insegurança jurídica decorrente.
Quanto
a intenção do constituinte originário de 1988, ainda, encontramos nos diários
da referida constituinte, não deixando dúvidas que cabe a Polícia Militar a
Polícia Administrativa, o seguinte:
ASSEMBLEIA NACIONAL
CONSTITUINTE (ATA DE COMISSÕES) - CO- MISSÃO DE SISTEMATIzAÇÃO – página 421
O Sr. ULYSSES GUEDES: [...] Da prevenção dos males e das desordens
sociais cuida a polícia administrativa. Da investigação dos crimes cuja
prática foi im- possível evitar através de ação preventiva trata a polícia
judiciária [...] ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE (ATA DE COMISSÕES) - SUB-
COMISSÃO DA DEFESA DO ESTADO, DA SOCIEDADE E DE SUA SEGU-
RANÇA – página 219 (grifado)
O Senhor RELATOR (Ricardo
Fiuza): – [...] Assim, por exemplo, como os
Estados Membros têm atribuições de empregar a polícia militar como polícia
administrativa, a União, para garantia da lei e da ordem, pode empregar
as suas Forças Armadas como polícia administrativa federal. [...] (grifado)
Tais
mecanismos legais, mesmo que com alguns anos de atraso, proporcionariam à
Polícia Militar a realização da prevenção na sua plenitude, regulando todas as atividades
públicas que de uma maneira ou outra, se não regulada com antecedência pela
polícia ostensiva, possam trazer sérios prejuízos à ordem pública (aquela que
tem o dever de mantê-la). Isso Possibilitaria com maior facilidade que a
ordeira e trabalhadora sociedade vivesse em paz, impedindo assim que o País acabe
sendo campo fértil para o crescimento da criminalidade.
É
necessário também mencionar que já há tramitando na Câmara dos Deputados
projetos de Lei neste sentido, dentre eles o PL 196/2015 do Deputado Capitão Augusto –
SP já tramitando na referida casa (aprovado na Comissão de Segurança Pública e
Combate ao Crime Organizado e Comissão de Relações exteriores e Defesa Nacional,
encontrando-se já na Comissão Constituição e Justiça).
Interessante trazer que para as ações repressivas de Polícia Judiciária Comum
ou Militar há legislação regulando a atividade, tanto através do Código de
Processo Penal, Código de Processo Penal Militar e em outras vários dispositivos
em vigor, já para a Polícia Administrativa que visa a Preservação da Ordem
Pública prevista no Art. 144 da Constituição Federal ainda não há.
Não
oferecer a Polícia Ostensiva, a qual possui como mister a prevenção, realizando
a preservação da ordem pública principalmente nos centros urbanos, é negar a possibilidade de que seja
dado “a volta por cima” proporcionando uma qualidade de vida muito melhor a
sociedade brasileira, algo que a polícia ostensiva já possui nas nações
desenvolvidas ou em desenvolvimento.
É
imprescindível, porém mencionar para reflexão mais uma vez, que
a polícia judiciária que realiza a repressão das infrações penais já possui seus
instrumentos legais através do código de processo penal e demais legislação
peculiar que lhe dão condições e segurança para realizar seus procedimentos, o
que não ocorre com a polícia administrativa que carece destes instrumentos legais.
Como
conclusão, é necessário dizer que há necessidade, mesmo que de maneira
gradativa, da Polícia Militar enquanto Polícia Ostensiva adotar cada vez mais
medidas preventivas de Polícia Administrativa visando o atingimento completo da
missão constitucional de Preservação da Ordem Pública. No mesmo sentido é
importante e necessário que o Brasil, tanto no âmbito federal quanto estadual
ofereça uma legislação moderna regulando a polícia administrativa para que a
Polícia Militar possua de forma cabal instrumentos legais para o desempenho de sua
missão constitucional com maior eficiência e eficácia.
Isso
posto em prática quem ganha é a sociedade brasileira.
MARLON
JORGE TEZA
Perfeita a lógica e fundamentos posto, inclusíve, se faz necessário uma maior intervenção da polícia Administrativa (leia-se Polícias Militares) na gestão e planejamento do espaço público por via das ações de poder de polícia, inclusive, com a adoção e criação de Relatório de impacto de segurança pública para a liberação de alváras de ordem pública para determinadas atividades de impacto na Segurança Pública que impactam na ordem pública, quer por via do aumento do fluxo de trânsito, fluxo de pessoas, proteção de bens e valores, risco de dano ambiental ou risco eminente e vulnerabilidade social com impacto direto no território e no adensamento urbano, sujeito a formação de zonas descoexão social e conflitos humanos por disputas ao seu espaço vital. Trato do tema em minha dissertação de mestrado a qual me socorri e me inspirei em seus ensinamentos Cel Marlon.
ResponderExcluirPrezado Zelindro, isso mesmo.
ResponderExcluirEssa é a logica
Prezado Cel Marlon, vislumbro a necessidade futura de se criar conselhos temáticos de Estudo para tratar dos temas de interesse da Segurança Pública junto a FENEME ou, ainda, junto ao CNCG. E, assim, criarmos correntes de pensamentos científicas e doutrinaria. Forte abraço!!!
ExcluirEstou seguindo a mesma tônica em meus estudos e realização de minha dissertação no mestrado que curso na UDESC/ESAG. Bom ter vozes que ecoam no mesmo sentido. Parabéns acima de tudo!
Excluir1º Tenente PM Luis Antonio Pittol TREVISAN
Sem encontrar eco estamos em uma luta inglória para trazer nossa instituição para a sua origem natural de polícia ostensiva. Parece que cada vez mais com a necessidade insana de se ter uma visibilidade midiática instantânea as "operações" são cada vez mais valorizadas em detrimento da polícia ostensiva. Parece que o crescente aumento dos índices criminais não são suficientes para provar que apenas apreender torrões de maconha ou cocaina irão reduzir o aumento da criminalidade e a sua organização e expansão territorial. Ao se abandonar a gestão eficaz do emprego efetivo da tropa no terreno abandonamos a sociedade a própria sorte. Hoje não fazemos mais polícia ostensiva, apenas atendemos ocorrências e não é por falta de efetivo mas por ma gestão e pela ilusão de achar que apenas prendendo alguns traficantes iremos salvar o mundo
ResponderExcluirNo momento onde vários comentam e defendem um Estado Democrático de Direito. Poucos pontuam as verdadeiras causas da fragilidade de nosso dia a dia.
ResponderExcluirParabéns pelo texto . Laion Da Rocha
Um texto esclarecedor e deveras importante. usando suas palavras, "há necessidade, mesmo que de maneira gradativa, da Polícia Militar enquanto Polícia Ostensiva adotar cada vez mais medidas preventivas de Polícia Administrativa visando o atingimento completo da missão constitucional de Preservação da Ordem Pública". Mas a vedrdade maior, é impedir o contrabando, na escala maior e não, comodito por Cássio, a ilusão de que prender alguns (pequenos) traficantes) iremeos salvar o mundo...
ResponderExcluirEste é o caminho, me parece. Ao invés de "correr atrás do prejuízo", como rotineiramente fazemos, mesmo que involuntariamente assumindo a culpa da dor da vítima que restou, precisamos aprender a fazer gestão de risco e determinar condutas, mesmo que não sejam cumpridas de imediato por falta de uma legislação que obrigue, mas que aos poucos vá adquirindo legitimidade. Para isso, então, temos algumas demandas prévias: Primeiro, o aprimoramento de uma Ciência Policial, que seja capaz de fazer uma abordagem da problemática, minimamente reconhecida cientificamente; segundo, adquirir legitimidade das condutas, de maneiras que os impactados reconheçam a pertinência da PM fazer tal abordagem; terceiro, com os pré requisitos anteriores e sabendo bem o que quer, buscar a incorporação da conduta nas leis ordinárias, não obstante, a Constituição já nos oferecer tal possibilidade, como bem é apresentado ao longo do texto do Cel Marlon.
ResponderExcluirPor isso, parabenizo mais uma vez o glorioso trabalho que é feito pela FENEME e pelo Cel Marlon, no aprimoramento da Instituição Policial Militar.
Por oportuno, me somo à sugestão do Ten Cel Zelindro de criação de câmaras temáticas dentro da FENEME, para estudar temas de relevância para as organizações militares do Brasil, bem como apresentar sugestões de aprimoramento.